CASTAGNA, Paulo. Música na América Portuguesa. In: MORAES, José Geraldo Vinci; SALIBA, Elias Thomé.
História e Música no Brasil. São Paulo: Alameda, 2010. p.35-76. ISBN: 978-85-7939-020-3.
Resumo. A primeira ocasião em que um brasileiro foi à Europa especificamente para uma tournée de apresentações musicais ocorreu entre 1794-1795, nas cidades do Porto, Coimbra e Lisboa, em Portugal, para a execução de recitais com árias de óperas. Sabe-se disso pela Gazeta de Lisboa, que noticiou todas as apresentações, sem poupar elogios. Quem apresentou esses recitais foi uma mulher, brasileira e negra, que aprendeu música numa casa de fazenda no interior da Capitania do Rio de Janeiro. Chamava-se Maria Joaquina da Conceição Lapa. A Gazeta de Lisboa noticiou apresentações suas no Porto, em Coimbra e em Lisboa (no Teatro São Carlos), entre dezembro de 1794 e janeiro de 1795.2 José Maurício Nunes Garcia escreveu para ela o Coro para o entremês (1808) e uma ária de O Triunfo da América (1809), entre outras obras. Por outro lado, pouco se escreveu sobre ela e quase nada mais ficou registrado na história da música brasileira além do seu nome, dos lugares onde cantou e das obras a ela dedicadas. Nossa propensão para ignorar o passado musical brasileiro manifestou-se já no primeiro livro escrito sobre a história da música no país, por Guilherme Melo, em 1908. Nessa publicação, dava-se atenção quase que somente ao folclore musical e à música do século XIX, abordando a fase colonial com o mesmo superficialismo que seria observado em outras obras do gênero. Foi somente em 1944 que o alemão Francisco Curt Lange, então radicado no Uruguai, iniciou pesquisas na região das Minas Gerais, demonstrando a existência, na capitania, de compositores do século XVIII que foram capazes de suprir a música para as cerimônias religiosas.4 Os trabalhos pioneiros de Curt Lange em Minas Gerais estimularam estudiosos brasileiros a iniciar pesquisas so- bre a história musical de outras regiões do país, como o fizeram, a partir da década de 1960, Cleofe Person de Matos no Rio de Janeiro, Jaime Diniz no Nordeste, Régis Duprat em São Paulo e Vicente Salles no Pará, entre outros. Tais autores deram início a uma investigação ampla sobre a prática musical do período colonial brasileiro, o que nas últimas décadas adquiriu um caráter mais sistemático e possibilitou um conhecimento razoável sobre a música no período colonial. Mesmo assim, o que hoje sabemos ainda está longe de possibilitar a compreensão dos complexos fenômenos que regeram a recepção, a composição e a execução da música no Brasil, na fase anterior à Independência.